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“Team Jorge” – Jornalistas investigativos de grandes veículos do todo o mundo se reuniram num consórcio que revelou a verdadeira identidade do dono de uma verdadeira fábrica de fake news.
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A reportagem do site ‘Forbidden Stories’ (na tradução, “Reportagens Proibidas”) aponta para um israelense que trabalha nas sombras, cobra caro para espalhar mentiras e desinformação nas redes sociais, e garante já ter manipulado eleições no mundo todo.
A TV Globo repercutiu o escândalo durante o programa Fantástico deste domingo (26).
O homem é pago para espalhar mentiras pelas redes sociais, manipulando a política e eleições em diversos países. Cobra, no mínimo, 6 milhões de euros.
Mas “Jorge” não sabia que os dois homens reunidos com ele não eram clientes em potencial, e sim repórteres: Gur Megiddo, do jornal ”The Marker”, e Omer Benjakob, do diário “Haaretz”, os dois de Israel.
Nas reuniões, “Jorge” se gabava dos seus supostos resultados no mundo todo:
“Já interferimos em 33 eleições presidenciais, e tivemos sucesso em 27.”
“Jorge”, na verdade, se chama Tal Hanan. Ele é um ex-oficial das forças especiais israelenses, que se negou a dar entrevista aos jornalistas após a publicação da reportagem.
Um porta-voz do Facebook afirmou que os robôs virtuais de “Jorge” foram tirados do ar “porque violam as políticas da empresa”. Procurado pelo consórcio internacional de jornalistas, o Google não se manifestou.
Já o Telegram disse que a vulnerabilidade técnica que poderia permitir a invasão de uma conta é um problema dos sistemas internacionais de telecomunicações, e não é exclusivo do Telegram.
O Twitter pediu ao jornal inglês “The Guardian”, um dos que publicaram as reportagens, mais informações para investigar os robôs criados por “Jorge”.
Leia a reportagem completa do site Forbidden Stories, assinada pela jornalista Cécile Andrzejewski, traduzida para o português.
“Team Jorge”: No coração de uma máquina global de desinformação
“As coisas não precisam necessariamente ser verdadeiras, desde que se acredite nelas” é uma citação que poderia ser atribuída a muitos filósofos, mas em vez disso se origina de um homem chamado Alexander Nix. Se o nome dele não é familiar, a empresa que ele dirigia é: Cambridge Analytica.
Em 2018, o escândalo homônimo revelou como a empresa britânica adquiriu os dados pessoais de quase 87 milhões de usuários do Facebook para influenciar os eleitores em “escala industrial”. A empresa, que vendia seus serviços em cerca de 60 Estados – do regime iraniano à companhia petrolífera nacional da Malásia – é acusada de manipular numerosas eleições; contribuiu para a vitória de Donald Trump em 2016 nos EUA e a votação do Brexit na Inglaterra. Quando o caso chegou às manchetes, o nome Cambridge Analytica tornou-se sinônimo de desinformação em todo o mundo.
No entanto, nem tudo sobre esse escândalo foi revelado. Alguns dos culpados mais temidos deste mundo conseguiram se esconder nas sombras, entre eles os misteriosos especialistas hackers israelenses. Brittany Kaiser, ex-diretora de desenvolvimento da empresa e uma das mais famosas denunciantes do escândalo, descreveu os hackers como uma equipe encarregada de “pesquisa de oposição”. Em depoimentos anônimos publicados na imprensa britânica em 2018, ex-funcionários descrevem “hackers israelenses” invadindo os escritórios da empresa com drives USB carregados com o que parecia conter e-mails privados hackeados de políticos. “As pessoas entraram em pânico, não queriam ter nada a ver com isso”, disse um ex-funcionário ao Guardian na época. De acordo com a reportagem do Guardian, esses “hackers ofereceram dados pessoais sobre o futuro presidente nigeriano e o futuro primeiro-ministro de St. Kitts e Nevis”.
O escândalo da Cambridge Analytica revelou a existência e os métodos desses misteriosos hackers. Mas até agora, a imprensa não conseguiu furar o anonimato desses obscuros “pesquisadores da oposição” ou atribuí-los a uma empresa. Quando ele se refere a “operações negras israelenses” em um e-mail interno, Nix não menciona uma identidade nem o nome de uma empresa. Em vez disso, ele designa um pseudônimo para o chefe dessa entidade ultrassecreta: “Jorge”.
Por mais de seis meses, Forbidden Stories e seus parceiros seguiram o rastro de Jorge. Nesse mercado paralelo de desinformação, as empresas — oficiais e clandestinas — tornaram-se mestres na arte de manipular a realidade e difundir histórias enganosas. Dando continuidade ao trabalho de Gauri Lankesh, uma jornalista indiana assassinada em 2017 que investigava desinformação e “fábricas de mentiras”, o projeto “Story Killers” penetrou em uma indústria que usa todas as armas à sua disposição para manipular a mídia e a opinião pública em detrimento da informação e democracia.
Quase cinco anos após o escândalo da Cambridge Analytica, jornalistas do consórcio Forbidden Stories conseguiram identificar e rastrear Jorge. Usando métodos duvidosos, o “consultor” israelense ainda usa esse mesmo pseudônimo e continua a vender seus serviços de influência e manipulação para o lance mais alto. Suas ferramentas, no entanto, se adaptaram aos últimos desenvolvimentos tecnológicos: a inteligência artificial agora escreve postagens virais sob demanda e o hacking remoto de contas do Telegram enriqueceu seu catálogo de serviços.
No verão de 2022, um potencial cliente, apresentando-se como representante de um líder africano que pretendia adiar, ou mesmo cancelar, uma eleição, pediu a Jorge uma manifestação. A obra, disse-lhe Jorge, custaria cerca de 6 milhões de euros. Durante várias discussões no Zoom, Jorge manteve o anonimato.
O que “Jorge” não sabia é que o homem em sua tela não era um intermediário, nem trabalhava na África. Ele era, na verdade, um jornalista da Radio France e logo se juntou a colegas de TheMarker e Haaretz, repórteres que são membros do projeto Story Killers.
“33 campanhas presidenciais, 27 das quais foram bem-sucedidas”
Entre julho e dezembro de 2022, jornalistas se passando por clientes participaram de várias reuniões com Jorge: três online e uma em seu escritório em Israel. O consórcio decidiu que era do interesse público se infiltrar, que era o único método para obter acesso a este mundo fechado e obter evidências de manipulação global. Para chegar até Jorge, os repórteres precisavam passar por uma série de intermediários, de ex-agentes de inteligência a especialistas em comunicação e segurança. Esse método apresentou uma oportunidade impossível de discutir os serviços de manipulação de Jorge – “principalmente inteligência e influência”, disse ele – e assistir a demonstrações ao vivo. Além das “capacidades” “tecnológicas” apresentadas por Jorge, ele explicou como “construir uma narrativa”, que poderia então propagar com uma gama impressionante de serviços: redes de bots, informações falsas e hacking de adversários.
Jorge vangloriou-se de ter usado tais táticas em “33 campanhas presidenciais, 27 das quais bem-sucedidas”, afirmação difícil de verificar. Jorge não revelou detalhes sobre seus clientes, preferindo demonstrar sua impressionante gama de serviços.
Ele acabou divulgando informações sobre operações secretas, incluindo uma que provocou uma recente tempestade na mídia na França. No início deste mês, a imprensa francesa divulgou a existência de uma investigação interna na BFM TV, um canal de televisão popular depois que uma de suas figuras mais proeminentes, Rachid M’Barki, supostamente transmitiu conteúdo não verificado.
O que a imprensa francesa não sabia era que Jorge, um vendedor loquaz, estava simultaneamente se gabando para jornalistas disfarçados em um escritório em Modiin, Israel, que poderia colocar suas histórias na televisão francesa. Para provar seu argumento, ele extraiu um trecho de uma reportagem transmitida pela BFM TV em dezembro de 2022. “A União Europeia anuncia um novo conjunto de sanções contra a Rússia”, dizia, acrescentando que as sanções “fazem os construtores de iates em Mônaco temerem o pior” e que “o congelamento de ativos dos oligarcas coloca seu setor em grandes dificuldades”. O texto desta breve transmissão – em desacordo com a linha editorial do canal – foi lido por M’Barki à meia-noite.
Para verificar a autenticidade deste vídeo e de outros que a rede de bots de Jorge tinha partilhado, o consórcio submeteu-os à direção da BFM TV em janeiro, que rapidamente suspendeu o jornalista e lançou uma auditoria interna. Em uma declaração ao Forbidden Stories, Marc-Olivier Fogiel, diretor administrativo do canal, disse: “Tenho uma suspeita ética [sobre o motivo pelo qual as] notícias foram transmitidas enquanto não tinham consistência editorial com o restante do canal”. Em resposta, M’Barki afirmou seu “livre arbítrio editorial” e explicou que havia seguido as instruções de Jean-Pierre Duthion, um intermediário. Consultor de mídia e lobista, Duthion é conhecido no mundo das agências de influência. Em documentos internos, uma agência o descreveu como um “mercenário” da desinformação, “motivado principalmente pelo lucro”. Quando contatado por Forbidden Stories, ele confirmou que “trabalhou na apreensão de iates russos em Mônaco, o que levou à perda de empregos no nível local”, mas se recusou a revelar seu cliente, argumentando que tal negócio passa por uma série de intermediários, “que não sabem quem é o cliente final.”
Ele afirma que não pagou a M’Barki, que também disse à administração da BFM TV que não recebeu pagamento para transmitir essas histórias. Segundo uma fonte familiarizada com o setor, esses serviços podem valer cerca de € 3.000 para um jornalista. M’Barki, que se recusou a responder às nossas perguntas, reconheceu que “não seguiu necessariamente a linha editorial usual” e disse: “Talvez eu tenha sido enganado. Não tive a impressão de que era o caso, ou que estava participando de uma operação, senão não teria feito”.
Tecnologias avançadas de disseminação de mentiras
O exemplo da BFM TV, destinado a ilustrar a capacidade de Jorge de alcançar os canais de notícias franceses, não é o único ponto de venda que ele avançou. Além de ter jornalistas em sua folha de pagamento, Jorge também explicou como poderia espalhar histórias usando um exército de avatares hospedados e executados em uma plataforma online. (Forbidden Stories e seus parceiros posteriormente verificaram a existência dessas contas falsas.) Essa ferramenta, não pesquisável na web, é chamada de AIMS: “Advanced Impact Media Solutions”. Já em 2017, Jorge havia oferecido à Cambridge Analytica um “sistema semiautomático de criação de avatar e implantação de rede”, acompanhado por um vídeo de demonstração ilustrando como era simples criar avatares em uma plataforma que permitia a navegação perfeita de uma conta para outra. Em 2022, Jorge tinha um catálogo de mais de 30.000 perfis automatizados de pessoas virtuais com contas reais no Facebook, Twitter, Instagram, Amazon e Bitcoin. Jorge usou essas contas falsas para postar uma enxurrada de comentários nas redes sociais, gerar polêmica e até comprar brinquedos sexuais na Amazon. Jorge contou como um avatar bonito e loiro chamado Shannon Aiken usou uma conta da Amazon para encomendar brinquedos sexuais para a casa de um rival político de um de seus clientes, deixando a esposa do candidato rival acreditando que ele havia sido infiel. “Depois disso, a história vazou e ele não pôde ir para casa. A campanha virou”, disse Jorge.
Para provar a eficácia de seu exército digital, Jorge concordou em criar uma hashtag em nome dos repórteres disfarçados. Os jornalistas sugeriram “#RIPEmmanuel”, em homenagem a um emu que se tornou uma estrela da internet no verão de 2022. O objetivo: espalhar um boato sobre a morte do animal para testar o sucesso dos avatares do AIMS. (O proprietário do emu já foi notificado.) Com a campanha de mídia social totalmente lançada, nosso consórcio rastreou a hashtag para identificar contas adicionais controladas pelo Team Jorge. A partir daqui, rastreamos cerca de 20 campanhas de desinformação em quase todos os continentes. (Identificar os clientes dessas campanhas, no entanto, nem sempre foi possível.)
No Reino Unido, no outono de 2021, os avatares do AIMS adotaram uma linha dura contra a UK Health Safety Agency. A agência iniciou uma investigação sobre um laboratório acusado de fornecer cerca de 43.000 resultados falsos negativos de testes Covid a seus pacientes. O grupo proprietário deste laboratório negou qualquer ligação com “Jorge”, argumentando que desconhecia a sua existência. Em 2020, alguns dos mesmos avatares participaram de uma campanha agressiva de difamação contra o empresário de Hong Kong George Chang, dono de 90% do Porto do Panamá. No mesmo ano, os bots AIMS resgataram Tomás Zerón de Lucio, um ex-oficial mexicano de alto escalão que era alvo de um mandado de prisão internacional. Ex-diretor do órgão encarregado de investigações criminais no México entre 2013 e 2016, Zerón é acusado de sequestro, tortura e adulteração de provas na investigação do desaparecimento de 43 estudantes em 2014. Zerón autorizou a aquisição do spyware Pegasus no México e agora está fugindo em Israel, que se recusou a extraditá-lo. Mas, de acordo com os bots de Jorge, essas acusações são apenas uma campanha orquestrada contra um homem “inocente” pelo “presidente corrupto” do México, Andrés Manuel López Obrador. (“M. Zerón não é responsável por nenhuma campanha publicitária em seu nome e não sabe quem está por trás de cada comentário nas redes sociais”, disse sua advogada Liora Turlevsky.)
A ferramenta AIMS não oferece apenas a criação de avatar. A versão mais recente, mostrada aos jornalistas infiltrados, também pode criar e disseminar conteúdos automatizados. Usando palavras-chave, a ferramenta pode criar postagens, artigos, comentários ou tweets em qualquer idioma com um tom “positivo”, “negativo” ou “neutro”. Depois de inserir as palavras “Chad”, “presidente”, “irmão” e “Déby”, por exemplo, Jorge comandou a ferramenta para produzir 10 tweets negativos sobre o governo chadiano. Doze segundos depois, eles apareceram. “Basta, precisamos acabar com a incompetência e o nepotismo do presidente do Chade, irmão Déby”, dizia um. “O povo do Chade já sofreu o suficiente sob o governo do presidente irmão Déby”, dizia outro. “Uma operadora pode conter 300 perfis, então em duas horas todo o país falará as mensagens ou a narrativa que [nós] quisermos”, disse um dos associados de Jorge.
Ministério de hackers
Para demonstrar uma de suas armas mais eficazes, Jorge assumiu o controle dos sistemas de mensagens privadas de vários altos funcionários africanos. “Estamos dentro”, disse Jorge aos repórteres, que observaram duas contas do Gmail, um Google Drive e um catálogo de endereços, além de uma série de contas do Telegram. (As vítimas de hackers não sabiam da infiltração.) Uma vez dentro do sistema de mensagens de uma vítima, Jorge era capaz de se passar por conversas com seus contatos. Jorge passou a enviar mensagens aos parentes das vítimas de suas contas hackeadas do Telegram.
Jorge, porém, cometeu um erro. Tentando remover seus rastros, ele deletou as mensagens enviadas da conta infiltrada, mas esqueceu de deletar as mensagens do destinatário. Identificamos um desses destinatários, que mantinha registros da operação de Jorge. Através do erro, pudemos confirmar que no verão de 2022, quando se aproximava a eleição presidencial queniana, Jorge consultou as contas de pessoas próximas ao futuro presidente William Ruto. Duas vítimas de hackers – Dennis Itumbi e Davis Chirchir, então responsáveis pela estratégia digital da campanha de Ruto e chefe de gabinete de Ruto, respectivamente – foram acusados, após as eleições, de terem contratado hackers para manipular os resultados da eleição presidencial. A Suprema Corte rejeitou a acusação e disse que as evidências foram “falsificadas”. (No entanto, não há nenhuma prova definitiva de que o Team Jorge estava por trás das tentativas de manipular a eleição presidencial do Quênia.)
Jorge e sua galáxia
Não foi até que os jornalistas do nosso consórcio visitaram os escritórios de Jorge em Modi’in, a sede da indústria de alta tecnologia de Israel, que viram seu rosto. Mesmo para seus sócios mais eminentes, Jorge conseguiu esconder detalhes sobre si mesmo. Nix, o diretor da Cambridge Analytica, que o conhecia apenas pelo pseudônimo, perguntou já em maio de 2015, em um e-mail interno ao qual obtivemos acesso: “Qual é o sobrenome do Jorge (de Israel black-ops co) por favor e também o nome de sua empresa.” Brittany Kaiser, a denunciante do escândalo, enviou um e-mail no dia seguinte com a resposta: “Tal Hanan é CEO da Demoman International.”
Após meses de investigação, Forbidden Stories e seus parceiros traçaram a carreira de Hanan e mapearam os contornos de sua galáxia.
Uma combinação de ex-oficiais de inteligência e especialistas em comunicações e segurança confirmou a extensão de suas atividades e a natureza de seus negócios.
Mashi Meidan, que na década de 2010 dirigiu uma empresa de segurança israelense no Panamá, teve destaque nas reuniões com jornalistas, sugerindo proximidade com Hanan. Meidan é um ex-membro do Shabak, o serviço de inteligência doméstico israelense, também conhecido como Shin Bet, de acordo com várias fontes. De acordo com seus advogados, Meidan “foi funcionário do governo israelense até 2006, quando se aposentou”, mas “não é, e nunca foi, associado a uma empresa ou entidade chamada ‘Team Jorge’, e definitivamente não é um ‘parceiro de negócios’ em tal empreendimento.” Meidan esteve, no entanto, em reuniões presenciais com Hanan e na maioria das reuniões online com ele, durante as quais seus colegas apresentaram o escopo de seus serviços.
Shuki Friedman, também presente durante uma reunião com os jornalistas e outra com Hanan, é supostamente um ex-oficial do serviço de inteligência doméstico israelense. Ele supervisionou a inteligência em Ramallah, na Palestina, por muitos anos e, de acordo com pelo menos uma lenda, recrutou o “Príncipe Verde”, filho de um líder do Hamas, para espionar o Shin Bet.
Também esteve presente durante duas reuniões com os jornalistas, mas não com Hanan, Yaakov Tzedek, chefe do Tzedek Media Group, que se apresentou como “um especialista digital e publicitário há mais de uma década”. Ishay Shechter, diretor de estratégia da Goren Amir, importante empresa de lobby israelense, participou de uma reunião com os jornalistas que os levou a Hanan. Respondendo a perguntas do consórcio, ele escreveu que “nunca teve uma relação comercial com Jorge ou Tal Hanan” e que “não estava familiarizado ou ciente de suas atividades ilegais ou impróprias”.
Por fim, Zohar Hanan, irmão de Tal, é CEO de uma empresa de segurança privada e especialista em polígrafo. Ele disse ao consórcio que “[tem] trabalhado toda a sua vida de acordo com a lei”.
De acordo com uma biografia no site do Demoman, Hanan serviu nas Forças Especiais de Israel em uma unidade de eliminação de artilharia explosiva de elite. Sua carreira, assim como seu negócio, passou do descarte de explosivos para a inteligência. Mesmo que “Jorge” tenha permanecido invisível por anos, Hanan despertou o interesse de pelo menos um serviço de inteligência europeu em 2008, segundo uma fonte policial, por ofertas de serviços de segurança duvidosos após várias conferências de contraterrorismo, inteligência e contraespionagem. Segundo a mesma fonte, ele opera na “fronteira entre a segurança privada e os mercenários”. Quando contatado pelo consórcio, Tal Hanan simplesmente negou “qualquer ação errada”.
Hanan cultivou uma impressionante rede internacional ao longo de seus anos trabalhando com inteligência. De acordo com uma investigação da Bloomberg, em 2006, enquanto trabalhava para um banco panamenho, Hanan alertou Martin Rodil, então analista de dados do Fundo Monetário Internacional, sobre a transferência de dinheiro da PDVSA, a petrolífera estatal venezuelana, para o Irã, em violação ao sanções dos EUA. Hanan então supostamente pediu a Rodil para rastrear o dinheiro para ele, de acordo com a Bloomberg. Um ano depois, os dois decidiram compartilhar suas informações com o governo israelense e passaram dois dias respondendo a perguntas do serviço secreto. Juntos, eles fundaram a Global Resources Solutions, que oferecia segurança e inteligência financeira. Rodil está agora sob investigação na Espanha por supostamente extorquir ex-funcionários venezuelanos. Ele não respondeu a vários pedidos de comentários.
Durante uma reunião com jornalistas em agosto de 2022, Hanan nomeou Roger Noriega, ex-vice-secretário de Estado do presidente George W. Bush, como ex-associado. (Noriega também trabalhou com Rodil e o defendeu publicamente na imprensa). [Eu não tive] nenhuma conversa substancial com ele. Tínhamos clientes em comum relacionados à Venezuela, [mas] nunca tive nenhum negócio sério com Tal.”
Um mercado interligado
Hanan afirma usar as ferramentas mais avançadas do mercado para seus serviços de manipulação. Durante suas demonstrações ao vivo, ele apresentou serviços da TA9, subsidiária da empresa Rayzone, cujo logotipo havia apagado em sua apresentação. Contatado pela Forbidden Stories, o TA9 disse que nunca teve nenhum negócio com Hanan ou seus associados e explicou que capturas de tela de seus produtos estavam prontamente disponíveis em seu site ou durante apresentações online.
A Rayzone também comercializa ferramentas que permitem a coleta de dados pessoais e de localização via Internet ou redes telefônicas. Ele conta com a rede SS7, que é usada para direcionar chamadas e mensagens SMS de usuários de telefone para seus clientes e localizar seus dispositivos. Esse sistema, destinado às operadoras de telefonia, sofre de vulnerabilidades que permitem que hackers acessem as informações dos usuários de celulares. Hanan levantou repetidamente a potencial exploração dessas vulnerabilidades durante as reuniões com os jornalistas.
Quando perguntado sobre suas ofertas, a Rayzone mencionou apenas um produto, que, segundo eles, “[oferece] apenas localização sem qualquer capacidade de interceptação ativa” e é regulamentado pelo ministério da defesa de Israel.
Usando slides adicionais dos folhetos TA9, a subsidiária Rayzone, Hanan também citou suas capacidades de “reconhecimento facial” e “intercepção de satélite GSM” como ferramentas disponíveis para a vigilância mais sofisticada de alvos potenciais.
De acordo com o diário israelense Calcalist, David Avital, acionista de uma das subsidiárias da Rayzone, está atualmente abrigando Zerón, o ex-funcionário mexicano sujeito a um mandado de prisão internacional e cuja inocência os avatares do AIMS defenderam. (“O Sr. Zerón está de fato em Israel. No entanto, ele nunca morou em um apartamento pertencente a David Avital”, disse Turlevsky, advogado de Zerón.)
Investigando essa rede, Forbidden Stories confrontou repetidamente as linhas tênues entre estados e empresas privadas e os mundos interconectados de inteligência, influência e vigilância cibernética. Mas ainda restam dúvidas sobre como Hanan é pago por seus serviços.
A Forbidden Stories e seus parceiros obtiveram acesso a um folheto, enviado por Hanan como parte de uma proposta para a Cambridge Analytica em 2015, que forneceu uma imagem de quanto esses serviços podem custar. Este documento bastante vago de pouco mais de três páginas é intitulado “eleições, inteligência e operações especiais” e sugere que o autor tinha experiência de campo desde 1999. Este é o mesmo ano em que a Demoman, empresa da qual Hanan é CEO, foi fundada. Na brochura, Hanan propõe opções que “alimentam e aprimoram umas às outras”, combinando “inteligência estratégica”, “percepção pública”, “guerra de informação”, “segurança de comunicação” e um “pacote especial” para o “Dia D”. A brochura elogia sua equipe, composta por ex-serviços de inteligência e forças especiais de Israel, Estados Unidos, Espanha, Reino Unido e Rússia. De acordo com o folheto, a equipe também inclui “especialistas em mídia e mídia de massa” que sabem “a melhor maneira de usar a informação para entregar uma história, uma mensagem ou um escândalo, para criar os efeitos desejados”. De acordo com o folheto, Hanan cobrou $ 160.000 por uma “fase inicial de pesquisa e preparação” de oito semanas, mais $ 40.000 para despesas de viagem. (Esta taxa foi muito inferior ao que ele havia proposto aos repórteres do consórcio em 2022: 6 milhões de euros para uma campanha.)
No entanto, não foi através do Demoman que Hanan comercializou seus serviços de hackers. E por um bom motivo: a empresa está registrada no Ministério da Defesa de Israel. De acordo com a lei israelense, é ilegal vender serviços de hacking para indivíduos ou empresas privadas, ou para uso em campanhas políticas estrangeiras.
Durante várias reuniões com os jornalistas disfarçados, Hanan afirmou ter cerca de 100 funcionários em todo o mundo. Embora esse número seja impossível de confirmar, o site do Demoman afirma ter escritórios e representantes em Israel, Estados Unidos, Suíça, Espanha, Croácia, Filipinas e Colômbia. Endereços mexicanos e ucranianos também foram mencionados, mas, segundo Hanan, foram fechados devido à desaceleração dos negócios e à guerra, respectivamente.
Durante a mesma reunião, o irmão de Hanan também afirmou estar usando bots AIMS para apostar no mercado de criptomoedas e, assim, obter ganhos adicionais. Qualquer coisa para ganhar dinheiro.