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Ucrânia estimula violência contra jornalistas – Reportagem de André Liohn, de Kiev, para UOL e Folha de S. Paulo – As ruas das cidades e as estradas ucranianas estão vigiadas por diversos postos de controle montados pelos exércitos ucraniano e russo, pela polícia e por milícias formadas por civis que controlam a entrada, a saída e a passagem de pessoas e veículos.
O protocolo de atuação, o nível de tensão e o risco para quem precisa cruzar estes postos de controle depende de quem comanda o posto.
Militares do Exército e policiais ucranianos, até agora, têm sido os mais previsíveis e seguros.
Eles são profissionais, seguem ordens claras e especificas de seus comandantes e por isso, não perdem nem tempo nem energia com jornalistas que estão ali apenas para fazer o trabalho de produzir reportagens a respeito do que está acontecendo na Ucrânia.
As milícias, por sua vez, menos organizadas, sem um comando claro, são motivadas muitas vezes pelo desejo de vingança contra a violência cometida pela força agressora russa.
Homens, jovens e adultos, tirados de suas casas e trabalhos, separados contra vontade de suas famílias e pessoas amadas, de suas rotinas, forçados a deixarem de lado seus objetivos, a pegarem armas que muitas vezes não sabem ou gostariam de usar, são os que mais oferecem risco para aqueles que precisam de alguma forma passar pelo território que comandam, entre estes, nós, jornalistas.
“Muitos acessos que chegam ao centro de Kiev estão ou completamente bloqueados ou parcialmente obstruídos por muros de pneus usados, simples blocos de concreto ou até enormes ônibus biarticulados e bondes, caminhões e tratores deixados atravessados nas ruas e avenidas da cidade.”
Os acessos que ainda permitem a passagem de pessoas e veículos, na região central, são comandados principalmente por milícias.
Diariamente, para sairmos desta região da cidade e seguir para áreas na periferia onde os confrontos entre os Exércitos ucraniano e russo estão acontecendo, para documentar não apenas as perdas materiais, mas principalmente, o custo humano desta guerra —um número ainda incerto de vítimas de civis mortos devido à dificuldade em acessar todas as áreas—, temos que passar por vários postos de controle comandados por milicianos que, visivelmente, estão cada dia mais cansados com os longos períodos em que ficam nestes postos e cada vez mais nervosos, com a aproximação cada vez mais evidente do conflito bélico para dentro da cidade.
Além de cansados e nervosos, estes milicianos também carregam consigo uma desconfiança intrínseca contra nós, jornalistas. Para eles, nossas reportagens, nossas fotos e nossos vídeos representam um risco em potencial contra suas vidas.
Eles temem que involuntária ou deliberadamente estejamos compartilhando informações estratégicas que poderão ser usadas pelo Exército russo durante um ataque.
Até certa medida, a preocupação é legítima, mas o que deveria ser um cuidado está se transformando numa paranoia que ameaça a segurança de jornalistas trabalhando na Ucrânia.
Há também a expectativa de que jornalistas devem se “sensibilizar” e tomar parte dentro do conflito.
No mundo moderno das mídias sociais, partes em conflito não precisam mais se submeter às críticas e observações de jornalistas. Para aqueles que combatem, mais do que apurar fatos, jornalistas deveriam apoiar causas, valores e ideologias.
Nesta quarta-feira dia 16 de março, o assessor de imprensa das Forças Armadas Ucranianas em Kiev, Vladmir Fito, publicou um post em suas mídias sociais onde estimulava que soldados ou milicianos ucranianos em áreas de combate atacassem qualquer pessoa que estivesse em área controlada pelo Exército russo, mesmo que estivesse usando uma identificação de jornalista.
“Caros defensores do nosso povo! Dirijo-me a você com um grande pedido. Se você vir uma pessoa vestindo um colete com a escrita PRESS, não são jornalistas reais porque não são credenciados em nosso Exército. Estes são apenas propagandistas perigosos. O título de jornalistas não se aplica a eles. Eles devem ser atacados.”
A manifestação do assessor de imprensa vem exatamente depois da morte de três jornalistas estrangeiros em apenas uma semana em Kiev.
No domingo (13), o fotógrafo e documentarista Brent Renaud foi morto em Irpin quando cruzou um check point com um motorista ucraniano tentando documentar a fuga de civis da cidade de Bucha.
O fotógrafo colombiano-americano, Juan Arredondo, que também estava no carro, sobreviveu.
Apenas dois dias depois, dois jornalistas que trabalhavam para a Fox News, o cinegrafista Pierre Zakrzewski e a produtora Oleksandra Kuvshinova, foram mortos a poucos quilômetros de distância de onde Brent e Juan foram atacados.
O governo ucraniano foi rápido em responsabilizar o o Exército russo pelas mortes mesmo que, no caso de Brent, as circunstâncias ainda não tenham sido devidamente investigadas.
Os ataques contra Kiev têm se intensificado e as negociações de paz parecem sempre decepcionar as expectativas de que esta guerra chegue logo ao final.
Em dois dias consecutivos, os primeiros alvos atingidos pelo Exército russo foram prédios residenciais, curiosamente ainda cheios de moradores que decidiram se manter na cidade mesmo depois que praticamente metade da população civil tenha fugido para salvar suas vidas prevendo a violência dos ataques russos.
No final da tarde de terça-feira, dia 15 de março, o governo ucraniano decretou um toque de recolher de 35 horas desautorizando todos os civis, inclusive jornalistas credenciados, a se moverem pela cidade.
A ameaça de nos depararmos com milicianos nervosos e armados, cansados e imprevisíveis, fez com que todos os jornalistas se mantivessem em seus hotéis aguardando que o toque de recolher não seja estendido.
Neste meio tempo, chegam informações por meio dos canais do governo ucraniano que mais um bloco residencial foi atacado nesta manhã. As imagens produzidas pelo governo já estão disponíveis não apenas nas mídias sociais, mas também nos sites dos principais jornais do mundo, mesmo que as informações do ataque não tenham sido comprovadas por jornalistas independentes.
A pergunta que nos resta é: por que estamos aqui?