Share This Article
Futuro do Brasil – No próximo dia 30 de outubro, ocorrerá o segundo turno das eleições presidenciais no Brasil, contrapondo o atual presidente de extrema-direita Jair Bolsonaro contra o ex-presidente de esquerda Luiz Inácio Lula da Silva. Contrariando as previsões dos institutos de pesquisa que indicavam provável vitória de Lula por larga vantagem, o primeiro turno foi finalizado sem vencedor, com 48,43% para Lula e 43,20% para Bolsonaro.
Ipec mantém Lula a 7 pontos de Bolsonaro em semana decisiva
O governo de Jair Bolsonaro foi marcado por um acentuado viés ideológico de extrema-direita e uma orientação econômica liberal, guiada pelo ministro da Fazenda Paulo Guedes, principal responsável pela privatização da Eletrobras, empresa estatal de energia elétrica. Por diversas vezes, o presidente fez ameaças à corte brasileira, preencheu diversos cargos governamentais com a indicação de militares, flexibilizou a autorização para o porte de armas no país e priorizou aliança ideológica com os ascendentes segmentos evangélicos, que já constituem mais de 30% da população.
A má-gestão governamental da pandemia do covid-19 foi responsável pela morte de mais de 680 mil brasileiros até o momento, e os efeitos da recessão econômica e os altos índices de inflação afetaram imensamente as camadas mais pobres. No entanto, a implementação do programa Auxílio Brasil, com ajuda mensal de 600 reais para famílias em situação de vulnerabilidade, garantiu certa compensação na popularidade do presidente junto aos mais vulneráveis.
O esquerdista Lula do Partido dos Trabalhadores (PT) governou o Brasil entre 2003 e 2010, e seu partido seguiu governando o país com Dilma Rousseff de 2011 até 2016, quando ela sofreu impeachment e foi substituída pelo vice-presidente Michel Temer, hoje apoiador de Bolsonaro. As denúncias de corrupção da Operação Lava Jato levaram Lula à prisão por 19 meses, entre 2018 e 2019, mas ele foi solto após suas condenações serem anuladas pela corte brasileira.
Distintamente do governo Rousseff marcado pela recessão econômica, Lula governou o Brasil durante o auge do boom das commodities, e é lembrado pela implementação de programas sociais de auxílio financeiro para a população mais pobre, o Bolsa Família, e de moradias populares, o Minha Casa Minha Vida; por executar importantes obras de infraestrutura especialmente no Nordeste; e pela sua política externa de fortalecimento da cooperação Sul-Sul. Diante dos problemas políticos e econômicos do governo Bolsonaro, logo após obter sua liberdade Lula passou a figurar entre os primeiros postos das pesquisas para as eleições presidenciais.
Visando isolar politicamente Bolsonaro, Lula buscou alianças com setores tradicionais dos partidos de centro e de direita, indicando o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin para a vice-presidência em sua coalizão. Com um programa moderado, promete manter as principais características do modelo econômico neoliberal que perdura no país desde o começo da década de 1990, mas com maior atenção para a implementação de programas sociais e evitando avanços em projetos de privatização da petrolífera estatal Petrobras. Os principais slogans de sua campanha indicam a intenção de “salvar a democracia”, que estaria em perigo diante de pretensões golpistas de Jair Bolsonaro.
Os principais centros de pesquisa do país indicavam provável vitória de Lula ainda no primeiro turno, com larga vantagem. Esta situação fez com que muitos empresários e pessoas influentes da política brasileira se desengajassem da campanha do atual presidente, buscando uma aproximação com Lula nas vésperas da eleição. No entanto, os resultados foram bastante distintos, com Bolsonaro se aproximando da votação de Lula, seu partido – o Partido Liberal (PL) – se tornando o com maior número de cadeira na Câmara dos Deputados e no Senado, e com seus apoiadores vencendo as eleições para os governos das províncias-chave de Minas Gerais e Rio de Janeiro no primeiro turno, e liderando a disputa pelo governo de São Paulo. Por outro lado, Lula conseguiu ampla votação nas províncias de Nordeste, afirmando um padrão que se repete desde as eleições de 2016: a esquerda com imensa maioria dos votos no Nordeste, a direita com maioria mais tímida no Sudeste, no Sul e no Centro-Oeste.
Para o segundo turno, ambos os candidatos têm moderado seus discursos visando atrair eleitores e apoiadores indecisos ou que votaram em outros candidatos. O terceiro e o quarto colocados do primeiro turno, a centrista Simone Tebet (4,16%) e o nacionalista de esquerda Ciro Gomes (3,04%), já anunciaram apoio a Lula. Por outro lado, a boa votação de Bolsonaro e seu partido no primeiro turno atraiu novamente o apoio de diversos setores empresariais que já tinham debandado de suas fileiras.
Se Lula vencer, a moderação e a busca pela estabilidade política devem ser os principais vetores de sua política interna. Assim como em seu governo anterior, Lula deve buscar construir uma ampla coalizão com partidos centristas e de direita, agora visando isolar o radicalismo de extrema direita que se enraizou no país. Em termos econômicos, ele já indicou que vai sustentar os principais pilares da ordem neoliberal, aderindo às metas de inflação, mantendo a autonomia do Banco Central e nomeando um homem de confiança do sistema financeiro para o Ministério da Fazenda. No entanto, Lula tende a frear os principais projetos de privatização impulsionados por Bolsonaro e buscar a reabilitação do papel do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) na economia nacional. Na mesma linha, ele deve promover novos programas sociais voltados para famílias de baixa renda, aumentar os investimentos em ciência e tecnologia e buscar retomar a capacidade de refino da estatal Petrobras.
Na política externa, Lula provavelmente buscará estreitar os laços com os países sul-americanos, principal mercado de manufaturados brasileiros. Bolsonaro acumulou inúmeros atritos com estes, especialmente com os governos de esquerda dos países vizinhos. Quanto às relações bilaterais com a China, a tendência seria de fortalecimento da parceria estratégica, retomando o alinhamento na visão de mundo multipolar e impulsionando iniciativas de cooperação Sul-Sul, como os BRICS. Apesar do atrito entre a esquerda brasileira e os Estados Unidos, Lula já fez inúmeros gestos de aproximação com Joe Biden e deve buscar a retomada de relações equânimes com os americanos.
Se Bolsonaro vencer, a eleição consolidará o papel das ideologias de extrema direita no espectro político nacional e a decadência da esquerda brasileira. Enquanto a extrema direita já apresenta vários possíveis quadros para a futura sucessão de Bolsonaro, a esquerda brasileira não conseguiu produzir nomes capazes de herdar a herança política e eleitoral de Lula. Mas apesar do radicalismo de seus apoiadores, é improvável que Bolsonaro tenha capacidade de alterar o equilíbrio entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, e dificilmente teria o apoio das altas patentes militares para esse tipo de aventura. No entanto, uma vitória nas eleições fortaleceria a capacidade de Bolsonaro articular reformas autoritárias e neoliberais no Congresso Nacional.
Em termos de política externa, o radicalismo do ex-chanceler Ernesto Araújo durante os primeiros anos do governo Bolsonaro gerou diversos atritos políticos nas relações brasileiras com seus parceiros comerciais de distintos matizes. Após modificação na orientação do Ministério das Relações Exteriores, o Brasil assumiu uma política externa mais pragmática, melhorando os laços comerciais com a China e fazendo reaproximações políticas com a Rússia. Essa mudança expressou os interesses da burguesia brasileira, especialmente dos setores de agronegócio e da mineração, e o atrito de Bolsonaro com os democratas norte-americanos devido à sua aproximação com os republicanos. A tendência é de continuidade desse viés mais pragmático. No entanto, os problemas nas relações com os diversos governos de esquerda da América do Sul tendem a permanecer.
Desacreditados após as discrepâncias das pesquisas do primeiro turno, alguns conceituados institutos brasileiros de análises eleitorais divulgaram números indicando empate técnico entre os dois candidatos para o segundo turno. Sem dúvidas, só ao final do dia 30 poderemos ter certezas diante desta que é uma das mais acirradas, disputadas e imprevisíveis eleições da história do Brasil.
Por Tiago Nogara, professor de Política Internacional, pesquisador associado à Universidade de Xangai (上海大学).
—
Este texto é opinativo e não reflete, necessariamente, a opinião do site Brasil Independente.
(Originalmente publicado na mídia estatal chinesa, com o título “Impact of Brazil’s election on its future”)
(Foto: Montagem/ Reprodução)