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Genocídio palestino – “Ninguém pode esconder de ti a dor, que é visível, tangível, audível, como o espaço que range e ecoa. eis-te conosco vendo a dor que nos pilha toda e cada coisa, saída de nós como uma lâmina, sentada conosco, festejando, desde o outro lado do rio que outrora fora barragem, que agora é palavra em pedra. nos faz companhia a dor de longe e uiva como sereia: vinde a mim, vinde! não vamos nem voltamos.”1
Os versos em prosa que abrem este texto são do grande poeta palestino Mahmud Darwish. Importante lembrar sua “palavra em pedra”, seu esforço de uma vida inteira para manter viva a memória de seu povo e de sua terra – especialmente importante na semana em que estamos: dia 15 de maio, recordamos a Nakba,2 palavra que designa a catástrofe da expulsão dos palestinos de suas terras ancestrais em 1948, com a criação do “Estado” de Israel.
A memória do povo palestino parece impossível de se perder, tanto por sua impressionante resistência quanto porque Israel, a cada bomba, a cada prisão, a cada destruição dos lugares que contam a história e das pessoas que seguem afirmando o direito de existir, parece instigar mais e mais a força e a solidariedade de uma nação que se recusa a morrer.
É por isso que os eventos recentes em Sheikh Jarrah (em Jerusalém Oriental, supostamente uma área segura para palestinos) e na Faixa de Gaza, em pleno Ramadã – mês sagrado do calendário muçulmano – e a poucos dias dos 73 anos da Nakba, tornam os ataques israelenses ainda mais ultrajantes e a resistência palestina ainda mais forte.
É verdade que o assédio, os abusos e a violência indiscriminada de Israel contra o povo palestino são, infelizmente, rotineiros.
Mas não podemos entender como acidental ou coincidente que dezenas de colonos israelenses, acompanhados de uma das polícias mais potentes e violentas do mundo, tenham expulsado famílias palestinas de Sheikh Jarrah, reivindicando para si as casas e as terras dessas pessoas; que tenham marchado em Jerusalém cantando “Morte aos árabes”; que tenham invadido a mesquita de Al-Aqsa, o terceiro lugar mais importante para o Islã (o que por si só já seria uma violação grave do direito internacional), e aterrorizado centenas de fiéis que faziam ali suas orações e ritos sagrados, deixando muitos feridos e, até onde foi confirmado, um morto.
Na mídia hegemônica, o “conflito” Israel-Palestina só ganha alguma notoriedade em eventos como esses, sempre enfatizando o “direito de defesa” de Israel e tratando o Hamas, grupo de resistência armada, como metonímia de toda a população palestina. Contudo, para além dessa distorção que apenas endossa o regime de apartheid e genocídio promovido pelo Estado israelense, não somos informados do terror diário sofrido pelos palestinos nesses 73 anos.
É preciso muito esforço e interesse para saber, por exemplo, que o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, declara que as casas e os prédios residenciais de Gaza são alvos militares legítimos – sob a pretensa justificativa de que poderiam esconder armamento do Hamas; para saber que crianças e adolescentes palestinos são presos arbitrariamente, sofrem torturas (inclusive como cobaias de testes de armas), são assassinadas com uma frequência e um sadismo comparáveis com as nossas crianças e adolescentes negros pelas mãos do Estado.
A lista continua de maneira desesperadora: ligações gravadas acordam palestinos na madrugada avisando que sua casa será bombardeada a qualquer instante – e muitas vezes o bombardeio não acontece, mas imagine viver com esse nível de terror psicológico?; cortes de água e eletricidade que impedem a comunicação entre as pessoas, que estragam a escassa comida disponível; ambulâncias e hospitais atacados ou interditados (outra violação do direito internacional); crianças que tentam estudar em meio ao barulho constante de drones… Como nomear uma catástrofe dessa magnitude como “conflito”? Qualquer idioma tem palavras mais precisas para isso.3
O genocídio palestino, o estrangulamento econômico e geográfico, a segregação e a limpeza étnica que se estendem até hoje são das maiores vergonhas da história humana. A comunicação em rede global precisa ser uma aliada para denunciarmos o que acontece na Palestina. Pessoas do mundo todo têm se manifestado em solidariedade; neste 11 de maio, por exemplo, milhares marcharam em Nova Iorque pela liberdade do povo palestino, incluindo centenas de judeus ortodoxos,4 uma das muitas provas que temos de que não se trata de um “conflito religioso”, como se costuma apresentar. Muitos judeus pelo mundo gritam “não em nosso nome”, rechaçando a mitologia racista e eugenista do Estado de Israel. É urgente que cada vez mais pessoas, independentemente de religião, etnia e nacionalidade, se recusem a compactuar com essa mentira colonialista que tenta apagar a Palestina do mapa. Para isso, usemos de nossas palavras para dizer “Palestina livre!”; afinal, como escreveu Darwish, “palavras são a matéria-prima de casas. palavras são a terra natal!”.
- 1 – Mahmud Darwish, Da presença da ausência. Tradução de Marco Calil. Rio de Janeiro: Editora Tabla, 2020, p. 42.
- 2 – Para melhor compreensão desse evento histórico, as obras do historiador israelense Ilan Pappe e do intelectual palestino Edward Said são importantes guias de leitura. O documentário Al-Nakba: The Palestinian Catastrophe 1948, de Benny Bruner e Alexandra Jansse, traz diversos registros históricos que contam essa tragédia. Pode ser encontrado no YouTube.
- 3 – Os exemplos citados neste parágrafo e no anterior podem ser conferidos com mais detalhes no livro de reportagens Em estado de choque, do jornalista Mohammed Omer, publicado no Brasil pela Autonomia Literária.
- 4 – Para acompanhar a resistência palestina em Nova York, vale acompanhar o perfil no Instagram da organização WOL Palestine.
Por Nara Lasevicius, professora de literatura e língua portuguesa, educadora popular, militante na luta climática e estudiosa autônoma da causa palestina e da língua árabe
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Este texto é opinativo e não reflete, necessariamente, a opinião do site Brasil Independente.
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